Sonho com a morte. Não a minha, não a de Helena, mas sim a morte. Não há nenhuma figura com uma gadanha, não há nenhum cavaleiro negro. Há a morte, a palavra morte, o que significa e sempre significou, como um letreiro de luzes escuras no meio de um nada. Atrás do letreiro estão todas as gerações de pessoas já mortas, todas as civilizações que já cessaram de existir, desde o início dos tempos até ao passado presente. Deste lado, estão os vivos. O número de passos que tenho de percorrer até chegar à palavra morte corresponde ao número de anos que, no sonho, sei que ainda me resta. Antes e depois disso, há respectivamente o nada e o cessar do algo. A memória colectiva é forte, mas há pouco espaço para a individual. O que faz um homem ou uma mulher nesse curto espaço de tempo que é a existência. O que faz com que viver seja um testemunho para um futuro. São perguntas que faço no sonho, pois se posso ver os mortos por detrás da morte e se posso ver os vivos à sua frente, não vejo em lugar algum aqueles que virão. É essa a grande dor e mal da existência, o ter de não saber quem serão esses, os outros, os que começarão um novo ciclo após morrermos. E ainda o letreiro de luzes escuras a impor-se, a mostrar-me, a mim e Helena, que não somos nada, que não podemos querer ser nada, que podemos ter em nós todos os sonhos do mundo, mas que estes acabam quando começa a morte. O corvo, do outro lado da morte, permanece imóvel e olha-me. Grito-lhe, Responde-me, corvo. E ele permanece imóvel e não me fala. Atrás dos que estão por detrás da morte, há um precipício e o chão é como se fosse um rio que caminha nessa direcção. Os que estão atrás de todo vão caindo aos milhares no poço sem fundo e muitos outros deste lado vão passando para o outro. É um mecanismo brutal, violento, definitivo. E, no entanto, há uma serenidade colectiva nos rostos dos mortos, quase um sorriso nos lábios de cada um. O corvo afasta-se cada vez mais e os meus pés estão colados ao chão. E ele afasta-se, afasta-se, afasta-se, afasta-se, a f a s t a – se, a f a s t a - s e, a f a s t a - s e, a f a s t a - s e até cair.
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Subscrever:
Mensagens (Atom)