terça-feira, 3 de novembro de 2009

quatro pios na noite


1. Por mais que estejamos, em última instância, sozinhos, nunca estamos realmente sozinhos. É uma estranha dicotomia que opera na vida de uma pessoa. Nunca seríamos eternos se não morrêssemos, do mesmo modo que nunca viveríamos, criada que foi a "sociedade", se não houvesse mais pessoas.



2. Não é coisa nova que eu diga que as cicatrizes físicas que carregamos são quase a mesma coisa que aquelas que nos afectam o que não é biológico. E também não é novidade se eu afirmar que a grande diferença entre umas e outras é que a maior parte das cicatrizes no corpo são mais fáceis de esquecer (aqui perdoar-me-ão as pessoas que vivem com marcas na face, por exemplo) do que as da chamada "alma". Muitos teóricos que se debruçam sobre o mecanismo da memória já o afirmaram (Marc Augé, para citar apenas um) e eu reforço: se conseguíssemos esquecer certos momentos e acontecimentos que nos perturbaram maliciosamente seria muito mais fácil lidar com tudo o que está inerente à existência. Mas também perderíamos muito do bom que adquirimos. Resta saber o que vale mais: o sofrimento de viver com cicatrizes que nunca realmente cicatrizam ou a amnésia que pode muito bem matar depressões.



3. Vai um grande espaço entre distância física e distância mental. Hoje em dia em vinte horas estamos em qualquer parte do mundo. O que são vinte horas? Quase nada, o tempo de ler dois, três livros, ver dois ou três filmes e dormir, contando que estejamos a viajar. E se carregarmos o nosso barulho de fundo connosco o nosso peso aumenta tantas vezes quantas nos imaginarmos de volta ao ninho. A questão, claro está, é o receio de que o ninho já não seja o mesmo ninho e que o território longínquo não nos providencie um outro. Em parte, estar num sítio novo é complicado porque o local é alheio a nós (ou nós somos-lhe alheios), mas a grande fatia daquilo que este tipo de desassossego é feito é a liminalidade. Ou talvez isto tudo seja parvoíce minha.



4. E fica um desenho que fiz e colori. Não tenho jeito absolutamente nenhum para estas coisas. O curioso é que pintei o "ser" que desenhei com cores que lembram a bandeira portuguesa e apenas no fim notei isso. Vá-se lá saber as partidas que nós pregamos a nós mesmos. O título é "The Howl".