segunda-feira, 4 de abril de 2011

quinta-feira, 31 de março de 2011

todas as coisas finais têm um fim

O rei chegou a um trono. Não um definitivo, mas um trono em quase todas as acepções da palavra. E este espaço não faz mais sentido. Worry not. O mundo não foi embora. Até já.

sábado, 19 de março de 2011

suffice

Por vezes, não interessa a arte nem o trabalho, nem os livros, nem os filmes. Não interessa nada disso. Por vezes, basta apenas que o sol brilhe ou não brilhe, mas que saibamos que não estamos sozinhos e que a vida não é uma mentira, que temos pessoas sem preço à nossa volta e que isso é uma conquista maravilhosa. E isso, sim, é suficiente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

wish there was something real, wish there was something true.

"Naufrágio"
Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

sábado, 12 de março de 2011

TRUMP(s) without applause

Ubiquitous, the past rarely ever recedes.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

arquitectando esqueletos parte 3

Partiria pelas 14.30.
Estava nervoso porque era suposto
estar nervoso em situações assim.
A caminho do aeroporto, sentia um fogo
na garganta e no estômago,
um fogo que me ardia gelidamente em contacto com o
ar condicionado do carro
dos meus pais. No entanto,
deixei-me estar conduzindo, só para não ter
saudades
disso tão cedo.
Os meus pais
discutiam com
o meu irmão, e
o meu primo, que viera porque gostava muito de aeroportos,
permanecia calado,
provavelmente feliz com a expectativa de
rever os aviões a partir e a aterrar.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Américo

"À noite, tudo me é execrável e todas as coisas me são mais claras. Renego tudo porque tudo me incomoda as entranhas. Faço o mundo girar ao ritmo da minha bateria. Ao som de uma locomotiva em andamento exalando vapores negros como o breu, abano a minha cabeça e, morto para o mundo, é como se ele fosse uma bola de bilhar que manipulo ou esmago contra uma parede."
Ricardo X. Fonseca, O rei sem trono

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

lógica

- Sabe, doutor, acho que poderei vir a ser um assassino em série. Penso até que é uma doença que advém da própria existência. É, por isso, inerente à humanidade.
- Porque diz isso? Eu, por exemplo, não tenciono tornar-me num.
- Pois, doutor, talvez eu esteja mais lúcido do que a maioria. Ou mais cego, dependendo da ordem. Sabe, é que…Bem, digamos que se eu soubesse tudo sobre todos seria inevitável matá-los. Veja o senhor: se eu soubesse os seus defeitos, com certeza o mataria.
- Mas tem consciência de que defeitos toda a gente tem, é tácito.
- Claro está. E é daí que nasce essa minha…tendência. Por isso quero que me interne. Só não matei os meus pais porque amo mais as suas qualidades do que os seus defeitos.
- E os seus?
- Lá está, os meus. Eu, doutor, eu odeio-me porque vivo. Mas seria um defeito meu matar-me, porque incomodaria e – não estou tão certo assim – entristeceria muita gente. E eu não quero incomodar nem entristecer ninguém.
- Mas eu não o posso internar só porque o senhor acha que qualquer dia vai começar a matar toda a gente.
- São necessários factos?
- Obviamente que não. Mas repare, o bom senso não pode enviar toda a gente para os hospitais psiquiátricos – nem os que assim o desejam nem mesmo todos aqueles que o merecem ou deles necessitam. Seria uma enchente.
- Aí está a questão: eu sei que é inevitável e inerente ao ser humano esmagar insectos. Não o digo apenas literalmente, doutor. É o eterno efeito borboleta. Não fazemos a menor ideia de quantas coisas matamos por dia.
- Não estou a acompanhá-lo…
- Veja bem – das duas, uma: a existência lúcida faz de nós potenciais assassinos – meto os suicidas no mesmo saco porque ainda que o feito não seja o mesmo nem tão nefasto, é sempre um acto de morte premeditado –; a maldade não é uma verdade relativa, é absoluta. E, portanto, se estivermos demasiado atentos a ela – só a título de exemplo – nascerá em nós uma vontade divina de exercer justiça. Aliás, reformulo: uma existência demasiado lúcida ou faz de nós assassinos em série ou seres completamente alheados e alienados. Repare que são contrários: o assassino é aquele que vive tão obcecado com a vida que não a suporta; por outro lado, o alheado prefere um autismo em que a existência não é vivida.
- E o senhor enquadra-se apenas no primeiro grupo, é isso?
- Não, não propriamente. Estarei algures entre os dois. Mas tenho também de acrescentar: os artistas são aqueles que verdadeiramente vivem no centro dessa corda bamba. Os artistas criam coisas que põem no mundo. São das criaturas mais atentas à vida e das mais sensíveis às suas vicissitudes. Mas veja que uma obra de arte, seja ela qual for, tem funções diversas e por vezes distintas: são criações e, portanto, símbolo de vida; são também, no entanto, deformações ou formas de matar outras que as antecederam; e há ainda outra coisa curiosa em relação aos artistas: se por um lado os artistas têm de estar extremamente atentos à vida, por outro, convém-lhes um pouco de alienação e alheamento para poderem criar.
- Então, entendamo-nos: o senhor é um artista?
- Estar no meio não faz de mim um artista, não. Isso seria uma falácia. Porque nem todos têm o que é necessário para se fazer arte. Digamos que se eu tivesse descoberto já que arte mais me serve, seria um artista. Mas não o sou – sou, sim, um pré-assassino em série.
- Não o creio, tem demasiado respeito pela vida e pela bondade das pessoas.
- Mas, doutor, não ouviu nada do que tenho vindo a dizer? É precisamente essa a razão.
- E então quer mesmo que o interne?
- Penso ser essa a escolha mais indicada.
- Mas sabe que lhe serão prescritos fármacos no hospital psiquiátrico, certo?
- Vê a que ponto a humanidade chegou? Estamos todos fodidos, de uma forma ou de outra. Só os estúpidos não conseguem ver. Ou simplesmente se recusam. Precisamos que nos digam como sermos felizes, precisamos que nos digam como encontrar o amor, como comer saudavelmente, como viver, etc., etc., etc.
- Mas isso sempre foi assim, homem.
- O que mais reforça a minha tese. Somos criaturas inerentemente fracas, defeituosas – creio mesmo que a humanidade nunca deveria ter surgido. Ou, pelo menos, nunca deveria ter chegado ao topo da cadeia alimentar. Foi tudo um erro da natureza.
- Não acredita em Deus?
- Deus é a maior prova da falibilidade humana.
- Não da demasiada lucidez?
- Não, isso é a filosofia.
- Muito bem. Tem preferência por algum hospital?
- Qualquer um onde me ponham num colete-de-forças.
- E se algum dia descobrir que tudo o que disse não é verdade?
- Nesse dia estarei, com certeza, louco.
Ricardo X. Fonseca, Os diálogos de Adão