I. Uma queda principia
Caía a grande velocidade, sem nunca conseguir ver, naquele instante de tempo, alguma das pedras que saltavam e rodavam com o impacto do seu corpo no terreno poeirento e duro, caía e, por entre os trambolhões repetidos, perguntava-se o porquê daquele tombo, daquela queda vertiginosa, não sabia se o haviam empurrado nem sequer de onde tinha caído, se lhe perguntassem de onde tinha vindo, qual era a sua história, ele responderia que não tinha noção de algum dia ter vivido antes destes trambolhões. O seu corpo era enrolado por forças que se sabe existirem mas que raramente se experienciam daquela forma, velocidade aliada a gravidade e uma tremenda de uma queda mal caída, de beiço no chão, sem aviso prévio nem um instante para se poder preparar, nada, tombou logo ali, naquele momento em que, procurava lembrar-se enquanto rebolava pela terra fora, tinha ou não sido empurrado. E se tinha, de facto, sido empurrado, quem o havia feito? Porquê? Buscava na sua memória qualquer rolo perdido onde tal pessoa pudesse figurar, mas não se conseguia lembrar do tempo anterior ao tombo. Nasci aqui, pensou, nesta queda, deste tombo, porventura encontrando, se tal era possível, algum sentido para a existência concretizada através de um trambolhão. E, no entretanto, continuava a rebolar, parecia interminável o movimento, as moções circulares repetidas desmedidamente. O seu corpo impactado contra o chão era festim para as pedras e a sua cabeça, de cada vez que batia no chão, doía-lhe por todas as anteriores. Era um sofrimento que não acabava. E ele sem lembrar-se de nada. Por sorte, chamemos-lhe assim, um pedregulho mais consistente no caminho chocou com a sua cabeça, ou o contrário, e houve uma espécie de flashback, um instante demorado de imagens, de passado, quem saberá, de pessoas, de espaços, de vida.