"...Os animais não podem ser humilhados ou destruídos. Há uma espécie de dignidade por falta de recursos morais, uma inteireza fundada no mundo natural. Por meio de consciência, o homem alcança o poder ou a vulnerabilidade que o destrói. Escolhe-se a força ou a destruição própria, através da inspiração passada às provas, na enigmática malha da vida, opondo as astúcias do talento a cada repto das coisas. É o génio íntimo de cada um. Génio que não dá paz, que se contenta de si, e se alimenta no seu mesmo exercício. O poder é o poder, mais nada. Um bicho, depois de fugir em pânico assenta as patas na terra e avança inteiro, com os cornos baixos, ele todo projectado na violência da cabeça. Passa ou não passa. Passa ou morre. A morte é o seu abismo. Não pede perdão. Porque a inteireza animal é cega, limpa como a luz."
Herberto Helder, "Aquele que dá a vida" (in Os passos em volta, p. 105)
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