quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

apropriação a meu bel-prazer

Sentei-me repentinamente na borda da cama, e olhei para o meu sexo com espanto. «Ele» nunca tinha pensado em ninguém senão nele mesmo. Eu era uma criança. Os meus amigos eram crianças. Todos nós era como se tivéssemos afinal só dezasseis anos ainda. E não seria que quase todos os homens continuavam assim? Que nenhum crescia para fora de si mesmo? E não era isso que o mundo inteiro desejava que continuássemos a ser? Não seria que toda a gente tinha medo de dar-se, porque tinham todos medo de perder o pouco que tinham? Não seria que toda a gente apenas se emprestava como quem empresta dinheiro a juros? O meu sexo fingia uma grande distracção, uma serena inocência. Mas não comprava ele o seu prazer, sem pensar no prazer alheio? Não lho comprava eu, a dinheiro, a cálculos e contactos, a pensamentos, a atenções solícitas como se ele fosse outra pessoa que não eu mesmo? «Ele», de repente, começou a palpitar e a entumescer-se. Era como se quisesse dizer-me que tudo isso seria verdade, ele concordava, mas que ele podia muito mais do que eu...Ele era o futuro. Oh, não por poder gerar. Isso era precisamente o que o prendia. Mas por poder dar e tomar prazer, por ser a minha liberdade. Liberdade de quê? (...)
Sinais de fogo, Jorge de Sena

1 comentário:

Vítor Leal Barros disse...

este livro é fenomenal... para mim a melhor obra de ficção portuguesa do séc. XX