quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

conhecer

"Por que não tentas ajudar-te?
Eu não quero ajudar-me.
Porquê?
Um dia talvez te diga.
A conversa seguia como se segue por um desvio, afastando-se do objectivo principal, tal como acontece, de resto, na maior parte das conversas. Ele sabia que extrair informação dela seria difícil, senão até impossível. Ela era quase imperscrutável, um porta fechada a sete e mais chaves, e ele só conseguia ver pelo buraco da fechadura, apenas podia observá-la através daquela pequena janela para o interior. Mas ele queria a todo o custo sabê-la, descobri-la, inteirar-se do que lhe ia na alma. Não lhe oferecia ajuda alguma, oferecia somente sugestões. Se ela se ajudasse a ela própria ou procurasse ajuda profissional ele iria finalmente conhecê-la, porque só se conhece a personalidade dos aflitos quando eles fazem por matar os insectos que lhes comem o sorriso.
Diz-me, já pensaste em psiquiatras, psicólogos, talvez?
Eu não preciso nem de uns nem de outros. Não.
Mas talvez eles te pudessem
Não podem nada. Por favor, não insistas.
Mas qual seria o mal?
Esse é o problema, não me faria mal nenhum.
Não sei se percebo o que dizes.
O mal que tenho é meu. O vazio que tenho dentro de mim é só meu. São as únicas coisas minhas, só minhas e de mais ninguém. Quero preservá-las acima de tudo.
Mas e se
São minhas. Afasta-te.
Ele levantou-se e ela saiu rapidamente. Ainda lhe sentiu o perfume doce e afiado como uma lâmina. Nunca iria conhecer aquela mulher. Só lhe sabia o mal e ela nunca o partilharia com ninguém."
Frederico Rodrigues, Quero-te na calada da
noite

1 comentário:

Unknown disse...

nao keria ser confrontada com o problema...