sábado, 4 de dezembro de 2010

3. Os Tempos de Fome


A fome. Grande miséria esmagadora dos fracos, servil companheira dos desafortunados, tu, fome, tu manifestas-te sob variadas formas. O inferno dos comuns esfaimados não será para mim, porventura nunca nesta vida. Mas a fome mora comigo. Bem no fundo do meu corpo. As asas que a um momento ou outro, se tivermos sorte, recebemos devem ser doseadas correctamente ou começamos a temer a continuação da fome. É um sentimento terrível, que deixa espalhada uma miríade de espelhos intactos mas baços. E isto não quer dizer que necessariamente tenhamos ou devamos saciar totalmente essa míngua. Mas ter demasiada voracidade de viver pode consumir a própria vida. A autofagia de ser e estar no mundo, esse tão dual maquinismo, concomitantemente amigo e adversário. Essa miséria do eterno consumo. A fome.
Ricardo X. Fonseca, O rei sem trono.

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